terça-feira, 23 de agosto de 2011

Os donos da bolada

Enquanto pacientes sofrem com assistência insuficiente e médicos amargam remuneração indigna, operadoras de planos de saúde acumulam lucros e estabelecem hegemonias e planejam expansão de mercado.
Depois do movimento de paralisação durante 24 horas nos atendimentos às consultas por planos de saúde a complicada situação do setor da saúde suplementar ganhou evidência, mas nenhuma medida anunciada permite vislumbrar solução efetiva para os problemas existentes.


Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 10 de maio, parlamentares e autoridades criticaram os ganhos excessivos das operadoras de planos de saúde e reconheceram a baixa remuneração dos médicos prestadores de serviço. No início de junho, representantes da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) foram à imprensa para falar da necessidade da injeção de R$ 40 bilhões para “fechar as contas e resolver os problemas de solvência que podem deixar pelo menos quatro milhões de clientes desassistidos”. A justificativa é sempre a mesma: a necessidade de constituir reservas.


Os 257 planos de saúde que se encontram sob intervenção foram apontados como justificativa para a necessidade de aporte financeiro. A receita do setor em 2011 é próxima de R$ 73 bilhões, maior que o orçamento do Ministério da Saúde para 2011, que é de R$ 68,5 bilhões. Entre 2005 e 2009, a Agência Nacional de Saúde Suplementar repassou R$ 33, 64 milhões para operadoras com problemas financeiros e em liquidação extrajudicial. A quantia de R$ 40 bilhões alardeada pela FenaSaúde é mais uma entre os bilionários e contraditórios números da saúde suplementar.


Segundo as estatísticas do setor, o número de médicos que atendem pelos planos é de aproximadamente 160 mil, que realizam anualmente em torno de 223 milhões de consultas e respondem por 4,8 milhões de internações. Segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), o número de médicos prestando serviços ao sistema público é de 219.499, responsáveis por 491,3 milhões de consultas e 5,64 internações por cada 100 habitantes, o que equivaleria a aproximadamente 8,4 milhões de internações anuais.


Ainda que as operadoras pagassem aos médicos conveniados os R$ 60 por consulta, previstos na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) – o que não ocorre – o gasto das operadoras com consultas seria de R$ 13,3 bilhões, o que corresponderia a apenas 23% das despesas assistenciais das operadoras.


No estudo estatístico mais recente da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado em maio, verificou-se o aumento dos gastos per capta em saúde de US$ 494, em 2000, para US$ 875, em 2008, um aumento da ordem de 77%. O gasto per capta do governo passou de US$ 199, para US$ 385, o que representa 95% de aumento.


Os reajustes dos planos de saúde, por sua vez, entre 2000 e 2010 foi de 133% (contra 44% dos honorários médicos). À taxa de conversão de R$ 1,6 por cada dólar americano, a média do valor pago pelo usuário dos planos de saúde em 2010 foi maior que o custo per capta anual: US$ 997. Tomadas quatro das maiores operadoras nacionais esse valor é ainda maior (veja quadro).


Ainda segundo o estudo da OMS, ao passo que em oito anos o investimento governamental na área da saúde evoluiu apenas 2% e a participação do governo no custeio da saúde avançou 4%, o gasto privado no setor caiu 4%. O que aumentou a movimentação financeira na área da saúde foi a adesão aos planos de saúde, que cresceu 7%.


O diretor de Medicina Privada do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMedico-DF), Diogo Mendes ressalta ainda que o governo financia parte do gasto da população com os planos de saúde. “O abatimento de 27% no Imposto de Renda das despesas com saúde representa uma participação do governo no custeio por meio de renúncia fiscal”, aponta. Essa participação seria da ordem de R$ 19,7 bilhões.



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